terça-feira, 6 de setembro de 2011

Crônica especial para elas

Como o blog está muito masculino, eu decidi postar uma crônica do escritor Fabrício Carpinejar especial para mulheres. Não que ela agradará somente elas, mas sei que muitos homens não entenderão...

TODO CABELEIREIRO É TERRÍVEL
Nunca converse com o cabeleireiro. Fale por mímica. Não responda a nenhuma pergunta pessoal. Ao cair em tentação, perderá o controle de sua vida.

Resista ao charme andrógino. Evite encará-lo. Como a Medusa, somente olhe pelo espelho. Essencial entregar o pedido por escrito e se calar durante a próxima meia hora.

O movimento inicial dele é de ópera. Levantará suas mechas para cima, num sorteio de cartas, para lamentar o azar:

– Não sei o que você fez até hoje, seu cabelo está desidratado, sem forma, sem brilho...

Mantenha-se quieta, impassível, perante as reticências. Com uma simples concordância, ele ganhará confiança e escreverá sua biografia. Com um mero aceno de queixo, ele ditará o destino do seu cartão de crédito.

– Não dá mais, amiga, para se judiar tanto. Melhor se matar logo, não morrer lentamente para o mundo inteiro ver sua decadência. Tem que iluminar o rosto, abrir o tom, repicar as pontas. Assim é juízo final, início de novela, quinto dos infernos. O que houve, amor, anda infeliz? Falta de sexo?

Primeiro, ele responde por você, em seguida pergunta como se não soubesse da resposta.

Ficará impressionada com a sensibilidade da figura. O cabeleireiro é um cartomante dos cachos – ele nos convence com nossas próprias confissões.

Aceitará fazer luzes, corte, banho de creme, pintura, tudo o que for proposto como saída da crise. Estará chorando debaixo do secador (que é mais confortável do que no chuveiro), descrevendo horrores de seu marido, que não é valorizada e se arrependeu de casar.

O cabeleireiro é letal, uma manicure pessimista. Não deixa pedra sob pedra, fio sob fio, palavra sob palavra. Muito diferente do barbeiro, que se mantinha respeitoso e distante.

O barbeiro foi a última fronteira heterossexual do século 20. Dava uma dignidade para a luta do macho, a lâmina subjugava a tesoura. Havia a certeza de que, mesmo a vida não sendo fácil, valia o esforço, era importante seguir firme sustentando a família.

O barbeiro alcançava o status de confessionário perfeito, guardava os nomes dos clientes e esquecia os pecados. O cabeleireiro é o contrário: um DJ, alarmista e incendiário, espalha os segredos pela pista, mistura verdades, arranha discos, não poupa ninguém. Seu olhar é julgamento, sempre há algo de errado que devemos corrigir ou que não cuidamos ou que não prestamos atenção. Ele anda com seu coldre para mudar as cabeças das pessoas.

O que me põe a pensar que a mulher não corta o cabelo quando se separa. Mas ela se separa depois de cortar o cabelo.

Publicado no
 jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 06/09/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16817

Nenhum comentário:

Postar um comentário